A liderança surge como um processo coletivo e muitas vezes
funciona como uma espécie de "truque", que pode ser aprendido e
desempenhado em condições específicas
O presidente se ergueu pela longa rampa até a plataforma de
seu vagão de trem... Amigo ou inimigo, aqueles que o viram nesse momento não
deixaram de se comover diante da visão daquele homem, deficiente físico, subindo
com tanta dificuldade – na verdade, impulsionando-se com os braços e músculos
do ombro enquanto as mãos fortes agarravam o corrimão na lateral da
rampa.” As viagens de trem de Franklin D. Roosevelt durante as campanhas
presidenciais americanas de 1932 e 1936, aqui descritas por Samuel Rosenman,
seu redator de discursos, tornaram-se lendárias. Segundo Breckinridge Long,
embaixador de Roosevelt na Itália, “a multidão ultrapassava os limites do
entusiasmo de forma selvagem”. Esse arrebatamento transbordou nas urnas, e em
1936 Roosevelt venceu as eleições por 11 milhões de votos, abrangendo todas as
jurisdições estaduais, de Vermont ao Maine.
Vários estudos acadêmicos, mais notadamente uma análise
realizada pela pesquisadora Dean Keith Simonton, da Universidade da Califórnia
em Davis, e publicada em 1988 no Journal of Personality and Social
Psychology, identificam Roosevelt como o mais carismático de todos os
presidentes americanos.
No início, os assessores do presidente eram contra as
viagens. Em 1921, Roosevelt foi diagnosticado com pólio, chamada popularmente
de “paralisia infantil”. Como a especialista em campanhas políticas Kathleen
Hall Jamieson, da Universidade da Pensilvânia, documentou, histórias de líderes
eficazes e carismáticos os apresentam como viris, fortes e repletos de energia.
O estado “infantilizado” de Roosevelt, porém, o privava dessas
características.
Qual era, então, a fonte de seu carisma? Inúmeros acadêmicos
sugerem que estava no fato de ele transformar sua desvantagem em vantagem,
mudando o foco negativo de sua deficiência para os atributos positivos da
conquista pessoal: persistência, coragem e resistência. Ao fazê-lo, se
conectava com milhões de americanos comuns durante a Grande Depressão. Após sua
morte, um repórter perguntou a um homem que esperava para ver o trem do funeral
na estação Union de Washington: “Por que você está aqui? Você conhecia Franklin
Roosevelt?”. O entrevistado respondeu: “Não, mas ele me conhecia”.
Alguns raros políticos conseguem se parecer tanto com um “de
nós” quanto “a favor de nós” – uma proeza que geralmente reside no cerne do
carisma. Mas ao contrário do que muitos acreditam, não se trata de um dom – o
carisma é resultado de cuidadosa elaboração. Nesse processo, o grupo que está
sendo liderado está em igualdade de condições com o líder. O político
aspirante, executivo ou ativista deve integrar as esperanças e os valores do
grupo em uma história coerente e se fundir de forma emblemática nessa narrativa.
No caso de Roosevelt, o ponto forte era a perseverança.
Um delicado equilíbrio de forças sociais imbui uma pessoa com
a capacidade de inspirar outras. Ao observar toda a encenação que envolve as
eleições, por exemplo, fique atento aos esforços dos candidatos para
aproximar-se dos eleitores, procurando mostrar o quanto são parecidos e desejam
as mesmas coisas.
A política, porém, é só um campo a ser considerado.
Descobertas recentes sugerem que todos podem aprender a cultivar o próprio
carisma. Seja como empresário,como professor, seja um estudante que aspira à
presidência do diretório, é possível brilhar um pouco mais se entendermos como
os grupos pensam.
TOQUE DE MAGIA
De origem grega, a palavra charisma tem vários
significados: o poder de fazer milagres, a habilidade de profetizar e de
influenciar outros. A última definição é mais relevante aqui porque
atualmente liderança costuma ser definida como processo social, em
oposição à característica pessoal que permite a alguém motivar outras para
ajudar a atingir metas de um grupo.
Liderança e carisma, entretanto, nem sempre foram vistos como
fenômenos sociais. Desde os primeiros escritos sobre o assunto, por volta de
2.400 anos atrás, as qualidades foram consideradas inatas e privilégio de poucos.
Sócrates chegou a declarar que “apenas um minúsculo número de pessoas” tem a
amplitude de visão e os dotes físicos e mentais necessários para comandar. Mais
recentemente essa posição foi atribuída ao sociólogo alemão Max Weber, a quem
costumam atribuir a popularização do termo “carisma”. No início do século 20,
ele o descreveu como “determinada qualidade de uma personalidade individual
pela qual um líder se destaca dos homens comuns e é tratado como dotado de
qualidades sobre-humanas ou pelo menos excepcionais, considerado como se
tivesse poderes mágicos”.
Entretanto, Weber não encarava o carisma como mera qualidade
de raros indivíduos agraciados pela sorte. As pessoas tendem a se concentrar
nas palavras “sobre-humanas” e “mágicos” na citação, mas as palavras “tratado”
e “considerado” são igualmente importantes. Weber prossegue: “O que é de fato
importante é como a pessoa é vista por aqueles sujeitos à sua autoridade
carismática, por seus ‘seguidores’ ou ‘discípulos’. Em outras palavras, os
seguidores distinguem o líder dos outros e lhe concedem o carisma”.
Alguns experimentos apoiam esta visão, em especial o trabalho
do falecido James Meindl, da Universidade Suny, em Buffallo, e seus colegas.
Junto com Stanford Ehrlich, agora na Universidade da Califórnia, San Diego, e
Janet Dukerich, da Universidade do Texas em Austin, Meindl revisou 30 mil
reportagens de jornais que mencionavam a liderança de executivos. Em 1985,
relataram a forte correlação entre referências à liderança carismática e
evidências de melhora no desempenho de empresas. A descoberta sugeriu
duas possibilidades: as decisões e ações do líder levaram à melhora da
organização, ou quando as pessoas viam a empresa com desempenho melhor,
pressupunham que o resultado era devido à liderança carismática.
Para eliminar a questão controversa da causalidade, Meindl
projetou um experimento interessante. Trabalhando com o doutor em administração
e gestão Rajnandini Pillai, da Universidade Estadual da Califórnia, San Marcos,
ele apresentou a universitários do curso de administração informações
bibliográficas sobre o presidente de uma rede de restaurantes junto com dados
sobre o desempenho da empresa durante os dez anos anteriores. Os participantes
receberam informações diversas: alguns foram avisados que a empresa tinha
passado de lucrativa a deficitária (“uma crise que levou ao declínio”); a
outros voluntários foi dito que o negócio permanecera deficitário; um terceiro
grupo ficou sabendo que o negócio se mantinha lucrativo e a outros ainda que a
organização fora de deficitária a lucrativa (passando por uma “reversão de
crise”). Os jovens classificaram o carisma do líder em uma série de
escalas (veja quadro abaixo).
Embora a personalidade do executivo fosse descrita da mesma
forma nos vários casos, ele foi visto como muito mais carismático quando a
fortuna da empresa melhorou. Assim, Meindl concluiu que carisma não é uma
característica de líder, mas uma atribuição feita por seguidores que são
seduzidos pelo que ele denominou “o romance da liderança”. Em resumo, o carisma
pode mais ser um truque que uma característica.
TORNAR-SE ESPECIAL
No entanto, há mais coisas envolvidas nessa situação que o
resultado de sucesso. Evidências de outra pesquisa sugerem que provavelmente
não atribuímos carisma ao gerente de uma equipe competidora que supere a nossa
ou ao líder de um partido rival, que nos derrote nas pesquisas. Ou seja: um
líder faz sucesso para nós. Esta análise é embasada na obra do falecido John C.
Turner, psicólogo social, pesquisador da Universidade Nacional da Austrália. Em
seu livro Social influence, de 1991, ele afirma que a liderança é um
processo coletivo que envolve a identidade social compartilhada e permite que
cada indivíduo exerça influência sobre os demais. Essa identidade comum se refere
à compreensão do indivíduo sobre si mesmo como pertencente ao grupo. É o
sentimento que emerge ao nos referirmos, por exemplo, a “nós, brasileiros”,
“nós, mulheres”, “nós, psicólogos”, “nós, torcedores de determinado time”
etc.
É importante observar que quando nos definimos em termos
coletivos tendemos a considerar o grupo do qual fazemos parte único, diferente
– e melhor que os outros. Por isso, para confiar em um líder, precisamos,
primeiramente, acreditar que ele é “um de nós” – e, de alguma forma,
“especial”. O mesmo princípio marca a percepção do carisma. Em um experimento
recente que conduzimos junto com as pesquisadoras Kim Peters e Niklas Steffens,
da Universidade de Exeter, Inglaterra – e apresentamos na Reunião Geral da
Associação Europeia de Sociologia Social de 2011 –, descobrimos que estudantes
percebiam o discurso do presidente Barack Obama na Conferência Mudança
Climática de Copenhague de 2009 como carismático quando o viam como um membro
de seu grupo que avançava em suas metas. Mais especificamente, os que se
definiam como “ambientalistas” julgaram o discurso de Obama mais carismático
quando lhes disseram que os Estados Unidos conseguiriam atingir as metas para a
redução de emissões de dióxido de carbono do que quando os fizeram acreditar
que o país não conseguiria atingir esse objetivo. Essas informações, porém, não
geraram impacto nos universitários que não tinham preocupação marcante com o
meio ambiente. Esses últimos consideraram o discurso muito menos carismático.
Ou seja: o carisma de Obama era condicionado ao quanto o público sentia que
suas metas eram apoiadas.
Outros estudos confirmam esse resultado. Num experimento
clássico desenvolvido pelo pesquisador Michael J. Platow, da Universidade
Nacional da Austrália, foi pedido a universitários que classificassem o carisma
de Chris, um líder estudantil fictício. Os voluntários deveriam avaliar o
quanto o personagem inspirava confiança, era capaz de motivar os colegas, tinha
visão ampla das mais variadas situações, ajudava a aumentar o otimismo do grupo
etc. Os participantes foram informados de que Chris tinha boas qualidades –
inteligência, responsabilidade e simpatia, características com as quais a
maioria dos alunos se identificava. No entanto, ele podia tanto ser
bem-sucedido quanto falhar no propósito de conseguir a posição almejada no
diretório estudantil. Os resultados dessa experiência confirmam que o sucesso é
fundamental para o incremento do carisma – mas não basta. Estudos também
acentuam a importância do que os cientistas chamam de prototipicalidade. Quando
o diretório prospera mas Chris não parece em sintonia com os estudantes, os
jovens o classificam como menos carismático, em comparação a ocasiões em que o
grêmio perdeu representatividade mas o personagem foi considerado “mais
próximo” dos colegas.
Mesmo desacreditados, líderes podem ter uma segunda chance.
Outro experimento realizado por Platow e seus colegas mostrou que é possível
recuperar o carisma usando linguagem que estabeleça noção de identidade
compartilhada – referindo-se a “nós” em vez de “eu”. O carisma de Chris, por
exemplo, aumentava quando usava linguagem inclusiva, enfatizando identidade
social compartilhada (veja quadro na página ao lado).
A EFICÁCIA DOS TRÊS R`s
A questão mais ampla aqui é que a prototipicabilidade – e,
portanto, o carisma – não é algo que possuímos ou que nos falta. Mas pode ser
aprendido e cultivado. Durante muitos anos, examinamos como líderes eficientes
criam narrativas de si próprios, de suas propostas e de grupos aos quais agradam.
No livro de 2001 Self and nation, de um de nós (Reicher) e Nick Hopkins,
da Universidade de Dundee, na Escócia, usamos uma frase para resumir essa
noção: líderes carismáticos precisam ser excelentes “empreendedores de
identidade”. Líderes carismáticos costumam falar sobre o que “nós acreditamos”
e não dizer às pessoas no que devem crer. Porém, apenas declarar secamente
“somos assim” pode motivar a resposta: “Ah, não somos não!”. As
narrativas bem-sucedidas de identidade manifestam-se como revelação e não
decreto.
Uma pessoa que ambiciona liderar – seja em contexto político,
empresarial, numa equipe esportiva, em outro grupo qualquer – pode recorrer aos
“três Rs” da liderança
eficaz: reflexão, representação e realização.
A reflexão refere-se à aproximação da cultura e da história de um
grupo – livros que todos leem na escola ou textos bíblicos, por exemplo,
sustentam valores universais. Muitos líderes famosos pelo carisma tinham grande
interesse em poesia e literatura – o que não é mera coincidência. Da mesma
forma, diversos grandes líderes também passaram muito tempo ouvindo antes de
começar a falar para outras pessoas. Aqueles que acreditam que não têm nada a
aprender com os outros raramente são escolhidos como bons líderes. Já os
bem-sucedidos que sucumbem à crença de que suas conquistas são apenas pessoais
(e não coletivas), parecem, com o tempo perder o “encanto”.
A representação está associada à necessidade de ser
visto tanto como membro quanto como figura de destaque em determinado meio. Um
líder não só tece a narrativa em torno de sua própria identidade, mas também o
faz em relação ao grupo ao qual se dirige, procurando tornar as narrativas
coerentes e consistentes. Aparência, tom de voz e seleção de palavras têm papel
fundamental nesse processo.
Finalmente, a realização vincula-se à capacidade de
transformar situações. O sucesso de um líder é medido por sua busca de
prioridades para o grupo – crescimento econômico, conforto, igualdade de
direitos ou prestígio, por exemplo. Um líder que brilhe com a luz do carisma
também ajudará a moldar esses critérios e mobilizará as pessoas a seu favor. Em
suma, líderes carismáticos são os que se saem bem ao fazer com que todos se
sintam valorizados.
Nessa empreitada, além de manter o empenho, é fundamental estar
atento a oportunidades e habituar-se a lidar com imprevistos. Quando
perguntaram ao primeiro-ministro britânico Harold Macmillan sobre seu maior
medo, ele respondeu: “Acontecimentos, meu caro, acontecimentos”.
Fonte: S. Alexander Haslam e Stephen D. Reicher
Mente e Cérebro