"Não devemos permitir que uma só criança fique em sua situação atual sem desenvolvê-la até onde seu funcionamento nos permite descobrir que é capaz de chegar. Os cromossomos não têm a última palavra". (Reuven Feuerstein)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Novos critérios para diagnóstico de autismo

A Academia Americana de Psiquiatria (AAP) deve lançar, em maio de 2013, uma nova edição do manual para diagnóstico de autismo. Ele se chama DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em português), é usado também no Brasil, e segue para a quinta versão. A proposta, que ainda está em estudo, tem como objetivo fazer com que quatro subtipos de autismo – que tinham até então diagnósticos separados – façam parte de uma única categoria. Assim sendo, os subtipos transtorno autista, síndrome de Asperger, transtorno global do desenvolvimento e transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação seriam todos diagnosticados como: otranstorno do espectro autista.

De acordo com James Scully, diretor médico da AAP, os novos critérios vão ajudar médicos e terapeutas a diagnosticar com mais precisão as crianças que sofrem do transtorno. Apesar disso, críticas não faltam para o DSM-5, em especial por parte de alguns pais americanos. Em reportagens recentes publicadas pela imprensa americana, as famílias acreditam que, ao mudar a forma de identificar o autismo, muitas crianças hoje que recebem tratamento poderiam perder o diagnóstico do transtorno – fazendo com que elas deixassem de receber ajuda do governo.

Para Antonio Carlos de Farias, pesquisador e neurologista infantil do Hospital Pequeno Príncipe (PR), a atualização do manual vai fazer com que o diagnóstico fique mais fácil. “A tendência é a sensibilidade do diagnóstico aumentar. Hoje, há um critério para cada subtipo. Isso faz com que algumas vezes não possamos classificar uma criança porque ela não preenche a todos os critérios daquele subtipo”, afirma. Por outro lado, reforça o especialista, a mudança também pode gerar confusão, em especial entre os pais, por haver crianças tão diferentes dentro do mesmo diagnóstico.

Para entender melhor, podemos imaginar o transtorno do espectro autista como um grande guarda-chuva. Embaixo dele estariam tanto crianças com grau mais severo, que não falam, têm retardo mental, quanto com grau mais leve, como os Asperger, que falam, são inteligentes, mas têm outras dificuldades.

No Brasil, a notícia já circula, com receio, entre pais de filhos com autismo. Sempre por dentro das últimas notícias sobre o assunto, Milena Elaine Carneiro Silva, 30, que tem uma filha autista, a Yasmin, de 6 anos, ainda tem muitas dúvidas sobre o efeito que as alterações no manual podem trazer. “Tive sorte de minha filha ser diagnosticada cedo (aos 2 anos e meio), mas conheço uma criança de 9 anos que ainda está apenas na suspeita de autismo. Acho que pode ajudar para esses casos. Por outro, vai generalizar demais. Virou moda ser autista. Não vejo vantagem”, afirma.

Neurocientista brasileiro que, no fim de 2010, conseguiu reverter um neurônio autista em normal – e hoje busca um medicamento que possa ser usado em humanos -, Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia, faz ressalvas ao novo manual. “Acho que não ajuda em muita coisa. O diagnóstico continuará sendo subjetivo, comportamental, com variações enormes entre as opiniões dos clínicos. O maior problema será eliminar do espectro crianças com um quadro suave e que se beneficiariam de um tratamento imediato”, afirma. Já Antonio Carlos acredita que poucas crianças que hoje são incorporadas como autista podem não fazer parte do espectro.

Falar em autismo sempre gera muita polêmica e no fundo o que os pais das crianças com o transtorno querem, independente de qualquer nova nomenclatura, é ter suporte para ajudar os filhos a ter um vida mais digna. “A ajuda no governo não é nada”, diz Milena. Essa, sim, parece ser uma busca que ainda tem um longo caminho pela frente.

Avanços na pesquisa da genética do autismo


01/02/2012

Por Elton Alisson
Agência FAPESP – Pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano (CEGH) deram importantes passos para desvendar o mecanismo genético do transtorno do espectro autista – como é classificado atualmente o autismo.
Eles identificaram mais um dos diversos genes relacionados ao distúrbio comportamental, além de uma desordem genética que pode dar pistas para explicar a dificuldade que os autistas têm em interagir socialmente. Ligado ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), o CEGH é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.
Os resultados da pesquisa foram apresentados na Escola São Paulo de Ciência Avançada:Avanços na Pesquisa e no Tratamento do Comportamento Autista, realizada no início de janeiro na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
O evento, realizado no âmbito da Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), modalidade de apoio da FAPESP, foi organizado pelo professor Celso Goyos, do Departamento de Psicologia da UFSCar, em parceria com Caio Miguel, da Universidade do Estado da Califórnia, e Thomas Higbee, da Universidade do Estado de Utah, nos Estados Unidos.
Ao estudar, nos últimos três anos, os cromossomos de cerca de 200 pacientes com autismo atendidos no CEGH, os pesquisadores brasileiros identificaram em três deles uma alteração cromossômica do tipo translocação equilibrada, isto é, a troca entre segmentos cromossômicos sem aparente perda do material genético.
Em um dos três pacientes, observou-se que essa translocação genética provocou o rompimento de um gene, chamado TRPC-6, que atua em um canal de cálcio no cérebro, controlando o funcionamento dos neurônios, em particular, das sinapses neuronais – a comunicação entre os neurônios.
“Imaginamos que, por causa desse desequilíbrio no rearranjo cromossômico dos pacientes com autismo, ele tenha uma menor quantidade dessa proteína TRPC-6, o que faz com que menos cálcio vá para os neurônios”, disse Maria Rita dos Santos e Passos-Bueno, pesquisadora do Centro de Estudos de Genoma Humano da USP, à Agência FAPESP.
“O resultado final dessa alteração genética é um neurônio menos ramificado, que realiza menos sinapses [comunicação entre neurônios]”, explicou.
De acordo com a cientista, essa translocação genética, em que metade do gene TRPC-6, localizado no cromossomo 11, migrou para o 3, aniquilando sua função, é muita rara e dificilmente é encontrada em outros pacientes com autismo.
Porém, a via de sinalização celular comprometida pela mutação de um gene relacionado ao autismo, como a observada no paciente atendido, pode ser comum a outras pessoas afetadas pelo distúrbio neurológico. “Em outros pacientes com autismo, a mutação pode estar em outro gene desta mesma via de sinalização celular”, indicou.
Tratamento personalizado
Segundo Passos-Bueno, alguns dos principais avanços no estudo do autismo nos últimos quatro anos foi a constatação de que o distúrbio neurológico está relacionado a mutações específicas em um ou dois genes, que variam de um paciente para ou outro.
Os desafios para os próximos anos serão estudar as vias de sinalização celular envolvidas pelos genes relacionados ao autismo para que se possa tentar desenvolver alternativas de tratamento.
“Precisamos investigar se os genes relacionados ao autismo de cada paciente estão envolvidos com uma ou mais vias de sinalização celular. Se estiverem envolvidos com várias vias de sinalização, será preciso desenvolver quase que uma droga por paciente. Será um tratamento personalizado”, disse.
Outro desafio a ser superado será entender o funcionamento dos genes possivelmente relacionados ao autismo identificados por seu grupo no Centro de Estudos do Genoma Humano para testar o quão semelhantes são entre eles.
Para isso, o grupo utiliza a tecnologia de iPS, que possibilita que células-tronco da polpa de dente de pacientes autistas sejam induzidas a se tornarem pluripotentes, derivando-se em células de todos os tipos, como neurônios.
Por meio de uma colaboração iniciada na pesquisa sobre o gene TRPC-6 com o brasileiro Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego, o grupo de pesquisa passou a dominar a técnica e a implantou no CEGH para dar continuidade ao projeto.
Os pesquisadores do centro também pretendem utilizar outros modelos mais simples para estudar o funcionamento dos genes relacionados ao autismo, como em drosófilas e peixe-zebra (Danio renio), antes de partir para modelos mais complexos, como camundongos ou a própria iPS.
“A vantagem desses modelos mais simples é a possibilidade de testar combinações de vários genes e realizar mais de uma mutação para analisar sua relação com o funcionamento neuronal a um custo relativamente mais baixo do que a iPS e o modelos utilizados”, disse Passos-Bueno.