O autismo é uma doença neurológica complexa que se
caracteriza pelo comprometimento na linguagem – atraso do início da fala,
comunicação, interação social e estereotipia ou movimentos motores repetitivos,
como agitar as mãos – e que tem sido objeto de muitas pesquisas. No início
acreditava-se que tinha causas ambientais. Culpavam a mãe por não saber
estimular suficientemente ou rejeitar os filhos (classificadas em inglês como
“refrigerator mothers”). Um estudo publicado em 1988 na Inglaterra associou a
aplicação de vacinas com o desenvolvimento do autismo. Recentemente foi
demonstrado que a pesquisa era uma fraude, mas que teve um impacto negativo
gigantesco porque muitos pais deixaram de vacinar seus filhos com medo que
pudessem desenvolver autismo.
Hoje sabe-se que há um componente genético importante e
acredita-se que há vários genes que interagindo com o ambiente podem levar ao
desenvolvimento do autismo. Mas a grande questão é saber quais são esses genes
e qual é a importância do ambiente no desenvolvimento do autismo? Para tentar
tirar isso a limpo um grupo de pesquisadores americanos acaba de publicar um
trabalho na revista Archives of General Psychiatry comparando a
incidência de autismo em gêmeos idênticos e gêmeos fraternos. Para falar mais
sobre isso entrevistei a Dra. Maria Rita Passos-Bueno, que desenvolve uma
pesquisa importante no Centro do genoma Humano em genética de autismo.
Segundo a pesquisa realizada, que acaba de ser publicada, os
autores concluem que embora a parte genética tenha um papel importante, o
ambiente teria mais peso no desenvolvimento da doença. Você pode explicar como
foi feito esse estudo?
A comparação da coincidência (ou concordância) do autismo
nos pares de gêmeos idênticos (ou monozigóticos) em relação a coincidência do
autismo nos pares de gêmeos fraternos (também chamados de dizigóticos) pode nos
dar uma pista sobre a relevância dos fatores genéticos e ambientais na expressão
da doença. Este estudo publicado na revista Archives of General Psychiatry fez
exatamente isto. Os autores mostraram que o componente genético explica
aproximadamente 40% da doença enquanto que 60% da expressão da doença depende
de fatores ambientais.
Este trabalho difere dos anteriores pelo critério rigoroso
quanto a classificação clínica do autismo e o número maior de pacientes
analisados (192 pares de gêmeos) de forma que os dados podem ser mais
representativos. De qualquer forma, o principal recado deste artigo, é que não
só fatores genéticos, mas também fatores ambientais contribuem para a expressão
do autismo.
Os pesquisadores que buscam a etiologia do autismo precisam
ter isso sempre em mente. É importante ressaltarmos aqui que quando falamos de
fatores ambientais, que ainda são pouco conhecidos, não estamos voltando a
culpar a mãe. Poderia ser, por exemplo, uma deficiência de oxigenação na hora
do parto ou algum outro fator durante a gestação. Os fatores ambientais são
fisiológicos e não emocionais.
A pesquisa que você está realizando no CEGH aponta para um
mesmo resultado?
A pesquisa na área de genética de autismo que desenvolvemos
no CEGH não deve ser comparada diretamente com este estudo epidemiológico, pois
estamos estudando pacientes que já têm alguma alteração cromossômica, mesma que
pequena, para entender melhor o autismo principalmente na sua parte genética.
Você acredita que a partir desses estudos será possível
encontrar um tratamento para o autismo?
Acreditamos, sim, que entender melhor a causa do autismo
abre perspectivas de tratamento, pois permitirá identificar drogas que possam
amenizar o efeito da alteração genética responsável pelo autismo naquele
determinado caso. Um dos fatores importantes para o sucesso destas intervenções
será certamente o tratamento precoce e, consequentemente, estes pacientes
precisam ser diagnosticados o quanto antes. O diagnóstico precoce é ainda um
problema importante no nosso meio, apesar de que há alguns grupos, como o
liderado pelo Dr. Estevão Vadaz, do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Um outro aspecto importante, é que parece haver um grande
número de possíveis causas para o autismo, de forma que entendendo um caso, não
sabemos quanto poderemos ajudar os outros. Ao desvendar os aspectos genéticos
do autismo, no entanto, poderemos contribuir não só na busca de tratamento como
também na realização de diagnóstico mais precoce com maior precisão.
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/genetica/sem-categoria/autismo-o-que-mostra-um-grande-estudo-de-gemeos/
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