A criança autista tem que lidar com muitos estímulos
visuais, auditivos e sensoriais que passam despercebidos para os alunos
neurotípicos, ou “normais”, como explicou a psicóloga Sandra Roos. Para as
crianças com transtorno do espectro autista, tais estímulos incomodam, agridem,
representam mais um desafio. O próprio processo educacional, de acordo com a
especialista, não é pensado nesses termos. “Não existe uma adaptação até que
ela seja exigida”, afirmou. Mãe de uma menina com 12 anos de idade com transtorno
do espectro autista, a psicóloga enumerou algumas das dificuldades enfrentadas
nas escolas, tais como as necessidades especiais em relação à coordenação
motora fina para o aprendizado da escrita; a adequação da iluminação da sala de
aula, uma vez que as crianças autistas percebem e se incomodam com a luz
trêmula das lâmpadas fluorescentes muitas vezes já velhas e gastas; a
necessidade de um ambiente que não disperse sua atenção, devido à dificuldade
de concentração em geral experimentada por essas crianças; e a redução do
barulho em sala de aula, dada a maior sensibilidade auditiva. “Mas, na prática,
isso não acontece”, afirmou. “Digo isto tudo pensando na minha filha e em seu
‘grau’ de autismo, que é leve e a permite participar do processo de inclusão. Mesmo
para ela, as escolas não estão preparadas e os pais, via de regra, é que tem
que lutar pelos direitos de seus filhos especiais”, disse Roos ao lembrar que,
por lei, todas as crianças matriculadas nas escolas municipais e estaduais têm
o direito de serem acompanhadas por auxiliar em sala de aula, sejam essas
crianças autistas ou tenham outras deficiências comprovadas por laudo médico.
“As escolas não têm hoje nem salas de aula nem profissionais preparados para
atendê-las em suas necessidades. Professores e auxiliares estão se virando
sozinhos, sem apoio ou preparação prévia”.
Marisa Furia Silva é uma das fundadoras da Associação
dos Amigos do Autista de São Paulo – AMA SP, é presidente da Associação
Brasileira de Autismo – ABRA e integra o Conselho Nacional de Saúde. Também tem
um filho autista e há 30 anos milita em prol das políticas públicas para as
pessoas com transtorno do espectro autista. Em relação a esse tempo, Silva
observa que pouco se avançou. Segundo ela, o primeiro documento do governo
brasileiro a referir-se ao autismo é uma portaria do Ministério da Saúde de
2002. Em 2009, o Estado brasileiro ratificou a Convenção sobre os Direitos da
Pessoa com Deficiência, documento que toma a acessibilidade como conduta para a
garantia dos direitos individuais. Dois anos mais tarde, foi lançado o Viver
sem Limite: Plano Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência e, no final de
2012, a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtornos do
Espectro do Autismo passou a considerar, para todos os efeitos legais, o
autista como pessoa com deficiência. Resultado da mobilização social de
movimentos e associações de pais de autistas, tal processo conquistou, em 2013,
como um de seus resultados, a publicação, pelo Ministério da Saúde, das Diretrizes
de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo. No
documento, salienta-se que, para que a atenção integral seja efetiva, as ações
devem estar articuladas entre a rede do Sistema Único de Saúde, os serviços de
proteção e assistência social e os de educação. “Com a lei, os autistas estão
garantidos na política da pessoa com deficiência, o que é muito importante”,
afirmou Silva referindo-se à política nacional sancionada no final de 2012,
que, entre outros pontos, tornou obrigatória a matrícula de alunos com o
transtorno em todas as escolas.
Por outro lado, a especialista lembrou que, antes de
serem autistas, tais crianças são cidadãs e, portanto, tal documento trata da
reafirmação de um direito já garantido. A inclusão no sistema público de
educação, no entanto, é ainda, na avaliação de Silva, um grande problema. “A
inclusão da pessoa com autismo é uma inclusão específica”, salientou. Da mesma
forma, as creches são fundamentais para o diagnóstico precoce. “A creche tem
que estar preparada para um atendimento junto com a Saúde e com a Assistência
Social. Sendo feito esse trabalho específico com essas crianças, não há dúvidas
de que sua inclusão será menos traumática para elas, para as famílias, para os
outros alunos e para os professores”, disse. Segundo a psicóloga Sandra Roos,
os benefícios terapêuticos da inclusão de crianças autistas nas escolas
regulares encontram-se na área da sociabilização. “Convivendo com outras
crianças e sendo incluídas nas salas normais elas têm que se adaptar às regras,
aos combinados, e aprendem a se comportar de uma forma tradicional. Porém, eu
só vejo benefícios se elas forem ‘respeitadas’ em suas particularidades e nunca
forçadas a se relacionarem ou se comportarem como as outras. É preciso entender
que seu funcionamento cerebral é diferente e não forçar, não impor. Elas devem
se relacionar com outras crianças ‘quando’ e ‘se’ quiserem, pois não têm a
mesma vontade ou necessidade dessa relação”, explicou a especialista. “Esse é
um dos pontos em que a minha filha mais é cobrada na escola. Tenho sempre que
orientar que o ‘normal’ não é obrigatório e que ela deve ser deixada sozinha se
assim quiser, que ela se sente bem assim. Isso causa estranheza e ‘incomoda’ os
outros, assim como tudo o que é ‘diferente’”, disse.
Para a psicóloga, a inclusão pode não ser o melhor
caminho em casos mais graves, em que a criança não fala, não escreve e não se
comunica por meio de figuras ou outros modos possíveis de serem utilizados em
sala de aula. “Gostaria que os pais entendessem isso, a criança pode ser
discriminada muito mais do que aceita e ela sofre com isso. Há relatos de mães
de autistas que, após tentarem a inclusão, ouviram dos próprios filhos o pedido
de mudança para uma sala especial, pois eles não se sentiam bem no meio dos
outros”, disse. Tanto a psicóloga como a presidente da ABRA concordam que é
urgente preparar as escolas e capacitar professores e equipes técnicas. Ambas
afirmaram, também, que a luta pela garantia dos direitos das crianças autistas
é travada pelos pais, que muitas vezes são obrigados a recorrer à força da lei
para que seus filhos tenham acesso à educação. “Se o aluno for aceito [na
escola] e não receber a educação dada aos outros, a inclusão é falsa, é só
fachada. Alunos mais comprometidos que são separados e enviados a salas de
recursos ou retirados das salas de aula por incomodarem os outros – ou se
incomodarem com os outros – não estarão recebendo o que foram buscar na escola.
É comum deixarem estes alunos ‘perambulando’ fora das salas de aula porque eles
não conseguem permanecer nelas. É preciso conscientização e informação, educar
professores e comunidade a respeito das características e particularidades dos
alunos autistas”, afirmou Roos. Para Silva, é fundamental o apoio de políticas
públicas no atendimento, que é oneroso para as famílias. “É um custo que o
governo tem agora que minimizará custos futuros, pois as pessoas se tornarão
adultos menos comprometidos. Nessa área o Brasil também acordou há pouco, ainda
temos muito trabalho pela frente”.
Crédito: Blog Educação/Bernardo Vianna
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