"Não devemos permitir que uma só criança fique em sua situação atual sem desenvolvê-la até onde seu funcionamento nos permite descobrir que é capaz de chegar. Os cromossomos não têm a última palavra". (Reuven Feuerstein)

sábado, 20 de novembro de 2010


Nesta quarta-feira, 17 de novembro de 2010, o Senado brasileiro, por meio da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), promoveu uma audiência pública, presidida pelo senador Flávio Arns (PSDB-PR), para discutir o texto proposto pela ADEFA (Associação em Defesa do Autista), entidade de Niterói (RJ), baseado inicialmente na lei estadual da Paraíba. O senador Paulo Paim (PT-RS), que foi quem recebeu a sugestão da ADEFA e acompanhou todo esse processo não esteve presente na audiência.
A audiência teve relatos muito ricos, porém, poucos frutos. Não houve debate e o único senador presente, Arns, teve que interromper a audiência para voltar ao plenário do Senado para votação -- regra da casa, que não permite nenhuma comissão funcionar durante votação. Portanto, não houve debate e ninguém conseguiu manifestar-se, com exceção dos que haviam sido antecipadamente convidados.

Mesa presidida pelo senador Flavio Arns na audiência pública que discutiu texto de anteprojeto de lei do autismo.O texto do anteprojeto será discutido nos próximos dias por instituições que serão convidadas ao debate, entre elas a ADEFA.

RELATOS

A presidente da ADEFA, Julceli Vianna Antunes, que tem uma neta com autismo, salientou que "só quem tem um filho com autismo sabe o que é a síndrome".  Ela fundou a entidade depois da dificuldade em tratar o neto e constatar a precariedade do atendimento à pessoa com autismo no Brasil.
Na sequência, Marisa Furia Silva, presidente da ABRA (Associação Brasileira de Autismo) e uma das fundadoras da AMA-SP (Associação Amigos do Autista, de São Paulo), se mostrou preocupada com o sistema integrado proposto pelo anteprojeto, "para que não engesse as instituições". Ela também citou o caso de uma pessoa com autismo que morreu em uma semana, com apêndice supurado, por inexperiência do médico que o atendeu. O problema aconteceu pelo rapaz não conseguir se comunicar e dizer onde estava doendo e o descaso e despreparo do médico, que não considerou o autismo ou não conhece a síndrome.
A presidente da AMA-BA (Associação Amigos do Autista, da Bahia), Rita Valéria Brasil Santos, contou diversos casos de famílias carentes atendidas pela instituição e com melhoras significativas. Em sua apresentação comparou a verba destinada à construção e ampliação de estádios para a Copa de 2014 e o descaso com os autistas no país. Ela também salientou que quando há uma iniciativa, não vem do governo e sim dos pais, e deu como exemplo a Revista Autismo e sua origem com trabalho voluntário,
O depoimento mais interessante, porém, foi do pesquisador Gustavo Adolfo de Medeiros. Depois de falar alguns minutos, ele contou que é autista, o que impressionou a todos. Ele tem autismo de alto desempenho e, portanto, conseguiu fazer faculdade e atualmente é mestre em Engenharia da Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outras particularidades, Gustavo contou que aprendeu a conquistar uma namorada observando os rapazes galantearem uma amiga dele. No fim, ele disse que não quer ajuda do Estado, ele quer condições de poder ganhar o próprio dinheiro, com seu trabalho e suor.
Por último, o presidente do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), psiquiatra Marcos Tomanik Mercadante, fez uma rápida apresentação sobre o autismo e admitiu que não há psiquiatras nem neuropediatras para atender a demanda da síndrome no Brasil.
A única que conseguiu manifestar-se dentro o público foi a diretora administrativa da ADEFA, Berenice Piana de Piana, que mostrou fotos com forte imagens de uma clínica da Bahia que mantinha os autistas em jaulas (sem força de expressão). Além de diversas ossadas que foram encontradas ao redor das instalações. A instituição foi interditada por uma promotora da Bahia. Em menos de cinco minutos, Berenice fez o depoimento mais contundente e emocionado da tarde.
A campainha que alerta os senadores para votação no plenário "forçou" o encerramento da reunião.

FRUSTRAÇÃO

A audiência encerrou-se com o público -- entre pais, profissionais e representantes de instituições de várias partes do Brasil -- frustrado por não haver debate e sem uma definição mais concreta do próximo passo para que o anteprojeto seja votado pelo Congresso como um projeto de lei. Segundo o senador, o projeto irá para a comissão de Direitos Humanos e outras comissões que poderão interferir e aprimorar o anteprojeto, assim como as entidades que serão convidadas a opinar.
O senador Arns encerrou dizendo que "se tudo correr bem, ao final desse processo teremos uma legislação nacional que proteja a pessoa com autismo em todos os aspectos relacionados à sua vida: dignidade, cidadania e serviços". A frase traz esperança, mas a decepção do público que veio de longe -- e gastou com a viagem a Brasília a escassa verba das instituições que representam e tratam autistas -- foi mais forte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário