"Não devemos permitir que uma só criança fique em sua situação atual sem desenvolvê-la até onde seu funcionamento nos permite descobrir que é capaz de chegar. Os cromossomos não têm a última palavra". (Reuven Feuerstein)

quinta-feira, 31 de julho de 2014

O Aluno Autista e o Processo de Aprendizagem

A educação do autista é dificultada pela dificuldade de socialização, que faz com que o autista tenha uma consciência pobre da outra pessoa e é responsável, em muitos casos, pela falta ou diminuição da capacidade de imitar, que uns dos pré-requisitos cruciais para o aprendizado, e também pela dificuldade de se colocar no lugar de outro e de compreender os fatos a partir da perspectiva do outro.
Pesquisas mostraram que mesmo nos primeiros dias de vida um bebê típico prefere olhar para rostos do que para objetos. Através das informações obtidas pela observação do rosto dos pais, o bebê aprende e encontra motivação para aprender. Já o bebê com autismo dirige sua atenção indistintamente para pessoas e para objetos, e sua falha em perceber pessoas faz com que perca oportunidades de aprendizado, refletindo em um atraso do desenvolvimento.

Os pais e os profissionais estão bem cientes das dificuldades que as crianças com autismo têm em muitos ambientes educacionais. Em resposta têm desenvolvido programas alternativos e estratégias de intervenção. Embora alguns destes sejam úteis, a maioria enfatiza a correção das dificuldades comportamentais para melhorar o rendimento educacional. Entretanto, um outro aspecto do problema tem recebido menos atenção: as necessidades específicas de aprendizagem desta população especial. As necessidades envolvidas incluem dificuldades organizacionais, distração, problemas em sequenciar, falta de habilidade em generalizar, e padrões irregulares de pontos fortes e pontos fracos. Embora nenhum destes se aplique à população inteira dos alunos com autismo, estes problemas de aprendizagem são vistos em um grau significativo em uma porcentagem grande destes alunos.

A organização é difícil para alunos com autismo. Requer uma compreensão do se quer fazer e um plano para a execução. Estas exigências são suficientemente complexas, inter-relacionadas e abstratas para apresentar obstáculos incríveis para alunos com autismo. Quando fica cara a cara com demandas organizacionais complexas, eles ficam frequentemente imobilizados e muitas vezes nunca não são capazes de executar as tarefas pedidas.

O desenvolvimento de hábitos sistemáticos e rotinas de trabalho tem sido uma estratégia eficaz para minimizar estas dificuldades organizacionais. Os alunos com rotinas de trabalho estabelecidas da esquerda para a direita, de cima para baixo, não param de trabalhar para planejar onde começar e como prosseguir. As dificuldades organizacionais são minimizadas também com as listas de verificação, programações e instruções visuais mostrando concretamente aos alunos autistas o que foi completado, o que precisa ser terminado e como prosseguir.

A distração é outro problema comum dos alunos com autismo. Ela toma diversas formas na sala de aula: reagindo aos ruídos externos de carro, acompanhando visualmente os movimentos na sala de aula, ou “estudando” o lápis do professor na mesa ao invés de terminar o trabalho pedido. Embora a maioria de alunos autistas seja distraída por alguma coisa específica, as distrações divergem consideravelmente de uma criança para outra.

A identificação do que distrai cada aluno é o primeiro passo para ajudá-los. Para alguns podem ser estímulos visuais, enquanto para outros podem ser auditivos. As distrações podem estar respondendo a ruídos externos ou a movimentos visuais como também podem não se concentrar em aspectos centrais de tarefas pedidas. As avaliações cuidadosas das distrações individuais são cruciais. Depois destas avaliações as modificações ambientais podem ser feitas: podem envolver a disposição física da área de trabalho do aluno, a apresentação de tarefas relacionadas ao trabalho, ou muitas outras possibilidades.

A sequenciação é outra área de dificuldade. Estes alunos frequentemente não podem se lembram da ordem precisa das tarefas, porque se atém de forma concreta a detalhes específicos e nem sempre vêm relação entre elas. Porque as sequências implicam nestas relações, são frequentemente desconsideradas.

As rotinas consistentes de trabalho e as instruções visuais compensam essas dificuldades. As instruções visuais podem destacar sequências de eventos e fazer com que os alunos autistas se lembrem da ordem adequada a seguir. A figura visual permanece atual e concreta, ajudando o aluno seguir a sequência desejada. O estabelecimento de hábitos sistemáticos de trabalho é também útil; um aluno que trabalhe sempre da esquerda para a direita pode ter o trabalho apresentado na sequência correta.

As dificuldades com generalização são bem conhecidas no autismo e têm implicações importantes para práticas educacionais. Os alunos com autismo frequentemente não podem aplicar o que aprenderam em uma situação específica a ambientes/contextos semelhantes. A generalização adequada requer uma compreensão dos princípios fundamentais nas sequências aprendidas e nas maneiras sutis pelas quais elas são aplicáveis a outras situações. Atendo-se a detalhes específicos, os alunos com autismo frequentemente perdem esses princípios centrais e suas aplicações.

A colaboração entre os pais e profissionais e a instrução de base comunitária são maneiras importantes para melhorar a generalização nos alunos com autismo. Quanto maior for o empenho pela coordenação entre a casa e a escola, maior a probabilidade dos alunos aplicarem o que aprenderam a situações/contextos/ambientes diferentes. O uso de abordagens semelhantes e a ênfase em habilidades semelhantes são as maneiras pelas quais os pais e os profissionais podem colaborar para melhorar as habilidades da generalização das habilidades de seus alunos.

Um ensino de base comunitária é também importante para melhorar as habilidades de generalização. Porque o objetivo final é um treinamento bem sucedido de base comunitária, as atividades devem estar disponíveis em todos os programas educacionais. Isto deveria incluir passeios regulares ao campo real de atuação com uma freqüência crescente à medida que os alunos ficam mais velhos, oferecer oportunidades de trabalhos na comunidade em contextos “reais”, e atividades de lazer na comunidade.

Dentre os modelos educacionais para o autista, um dos mais importantes é o método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Communication Handicapped Children, em português, Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Desvantagens na Comunicação), desenvolvido pela Universidade da Carolina do Norte e que tem como postulados básicos de sua filosofia: 

  • propiciar o desenvolvimento adequado e compatível com as potencialidades e a faixa etária do paciente;
  • funcionalidade (aquisição de habilidades que tenham função prática);
  • independência (desenvolvimento de capacidades que permitam maior autonomia possível);
  • integração de prioridades entre família e programa, ou seja, objetivos a serem alcançados devem ser únicos e a estratégias adotadas devem ser uniformes.
Dentro desse modelo, é estabelecido um plano terapêutico individual, onde é definida uma programação diária para a criança autista. O aprendizado parte de objetos concretos e passa gradativamente para modelos representacionais e simbólicos, de acordo com as possibilidades do paciente.

O papel do professor

A escola oferece um ambiente propício para a avaliação emocional das crianças e adolescentes por ser um espaço social relativamente fechado, intermediário entre a família e a sociedade. É na escola onde a performance dos alunos pode ser avaliada e onde eles podem ser comparados estatisticamente com seus pares, com seu grupo etário e social.

Dentro da sala de aula há situações psíquicas significativas, nas quais os professores podem atuar tanto beneficamente quanto, consciente ou inconscientemente, agravando condições emocionais problemáticas dos alunos. Por exemplo, as crianças autistas não compreendem como se estabelecem as relações de amizade. Algumas não têm amigos, enquanto outras pensam que todos em sua sala de aula são seus amigos. Os alunos podem trazer consigo um conjunto de situações emocionais intrínsecas ou extrínsecas, ou seja, podem trazer para escola alguns problemas de sua própria constituição emocional (ou personalidade) e, extrinsecamente, podem apresentar as conseqüências emocionais de suas vivências sociais e familiares.

Os perfis irregulares das habilidades e dos déficits são características bem documentadas nos alunos com autismo. Também estão entre os mais difíceis para se desenvolver programas específicos. Um aluno autista pode ter a habilidade extraordinária de estabelecer relações espaciais ou de entender conceitos numéricos, mas ser incapaz de usar estes pontos fortes por causa das limitações organizacionais e de comunicação. São necessários professores com habilidade e com experiência, em ensinar na presença destes pontos fortes e fracos tão singulares.

Ensinar alunos com esta ampla gama de habilidades requer avaliações completas de todos os aspectos de seu funcionamento. Isto não pode se restringir às habilidades acadêmicas, mas deve também incluir os estilos de aprendizagem, distratibilidade, funcionamento em situações de grupo, em habilidades independentes, e em tudo mais que possa ter impacto sobre a situação de aprendizagem. Os estilos de aprendizagem são especialmente importantes para o processo da avaliação porque são essenciais para liberar o potencial de aprendizagem.

Como cada criança com autismo processa a informação e quais são as melhores estratégias de ensino devido à singularidade de seus pontos fortes, interesses e habilidades em potencial? Um professor hábil pode abrir a porta para várias oportunidades. Os adultos com o autismo que trabalham em bibliotecas, com computadores, em restaurantes, e muitos outros ambientes; são evidências de que, se tiverem instrução adequada, podem se tornar adultos produtivos. Porém, um número excessivo de programas de educação não reconhece os pontos fortes e déficits singulares deste grupo enigmático de aprendizes.

A principal possibilidade para uma melhoria constante é uma maior consideração das suas singularidades e mais treinamento para profissionais para ajudá-los a entender seus estilos de aprendizagem.


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