O mundo para crianças com autismo pode assemelhar-se a
assistir a um filme com áudio dessincronizado, sugere um novo estudo.
A nova pesquisa mostra que essas
crianças têm dificuldade em juntar o que vêm com o que ouvem, e que esses
déficits podem estar por trás dos seus problemas de fala e comunicação.
Para a maioria das pessoas, os sinais que chegam ao cérebro
dos ouvidos e dos olhos movem-se dentro de uma janela de tempo de 100 a 200
milissegundos, sendo colocados juntos, para formar uma percepção.
Por exemplo, ao ouvir o som de uma palavra e ao ver o
movimento dos lábios cria-se a percepção de uma palavra falada. O novo estudo
mostrou que em crianças com autismo, a janela de tempo para os sinais que une é
mais ampla.
Tal fato significa que o cérebro integra os eventos que
aconteceram com discrepâncias de 500 milissegundos, e que deveriam ter sido
percebidos como eventos separados, de acordo com o estudo. Os resultados foram
publicados a 14 de janeiro no Journal of Neuroscience.
"Crianças com autismo têm dificuldade na integração de
informações simultâneas dos seus olhos e ouvidos", disse o pesquisador
Stephen Camarata, da Universidade de Vanderbilt, em Nashville, EUA. "É
como se estivessem a assistir a um filme estrangeiro que foi mal dobrado",
acrescentou.
Além disso, os pesquisadores descobriram que quanto maior a
janela de tempo, mais pobre é a capacidade da criança a ligar corretamente os
movimentos labiais à expressão - um mecanismo importante na aprendizagem de
línguas.
O novo estudo incluiu 32 crianças típicas e 32 crianças com
autismo de alto funcionamento, com idades entre 6 e 18 anos. Os pesquisadores
usaram estímulos simples auditivos e visuais, como flashes e beeps disparados
por um computador, e também estímulos ambientais mais complexos, tais como
palavras faladas e um martelo a bater um prego.
Os cientistas pediram aos participantes para dizer se os
acontecimentos visuais e auditivos ocorriam ao mesmo tempo. Numa série de
experiência, os pesquisadores usaram uma ilusão de flash induzida pelo som, em
que o ouvir dois bips engana a maioria das pessoas a pensar que viram dois
flashes quando apenas um clarão apareceu na tela.
Para a ilusão funcionar, os sinais sonoros devem ocorrer
quase simultaneamente com o flash, dentro de uma janela de 200 milissegundos.
Se os bipes e flash ocorrem a uma maior distância, os eventos auditivos e
visuais permanecem separados na mente.
No entanto, "no autismo, se o flash e os sinais sonoros
forem dessincronizados até metade de um segundo de intervalo, as pessoas
continuam a dizer que há dois flashes", disse Camarata. Em seguida, os
pesquisadores usaram uma outra ilusão bem conhecida, chamado de efeito McGurk.
Nesta ilusão audiovisual, em que o componente visual de um
som está acoplada com o componente auditivo de outro som, as pessoas ligam
ambos os sinais e percebem um terceiro som. Por exemplo, quando um ator diz
"ga-ga", mas o áudio dobrado sobre a sua voz diz "ba-ba",
as pessoas relatam ouvir "da-da".
No novo estudo, para as crianças com autismo era menos
provável juntar ambas as informações e relatar um terceiro som. Além disso,
quanto mais pobre a sua acuidade na primeira tarefa flash- beep, menor era a
sua capacidade em combinar a informação auditiva e visual na segunda ilusão.
Insights a partir dos resultados podem ajudar a melhorar as
terapias para crianças com autismo que têm dificuldades de comunicação,
disseram os pesquisadores. "Se conseguirmos corrigir mais cedo esse défice
na função sensorial, então talvez possamos ver os benefícios na linguagem e
comunicação e interações sociais", disse o pesquisador Mark Wallace,
diretor do Instituto do Cérebro de Vanderbilt.
Terapias possíveis podem incluir o treino do cérebro para
reduzir a janela de conexão, ou, ao ensinar a linguagem, apresentar as palavras
de uma forma que elas sejam muito salientes, disse Camarata.
"Por outras palavras, quando eu aponto para a minha
xícara de café, eu poderia fazê-lo uma e outra vez, num ambiente claro,
aumentando as chances de que a palavra copo fosse vinculada à imagem da
taça", concluiu.
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