Cérebro de autista é palco de 'cópia e
cola de genes', diz biólogo brasileiro
Neurônios de portadores da doença sofrem uma expansão do genoma.
Novo trabalho de Alysson Muotri detalha genética da Síndrome de Rett.
O cérebro de crianças com Síndrome de Rett, uma das formas de autismo, apresenta um aumento da atividade de “genes saltadores”. Genes saltadores são sequências de DNA repetitivas no genoma que aparentemente não têm nenhuma função, e por isso ganharam o apelido de “junk DNA” (DNA lixo). Eles se multiplicam no genoma neuronal através de um mecanismo de “copiar e colar”, aumentando o número de sequências no DNA.
“O que temos ainda não é a prova de que a atividade de genes saltadores causa autismo ou outras doenças neurológicas em humanos. Temos apenas uma correlação, mas uma correlação completamente inesperada”, diz Alysson. “Se os genes saltadores estiverem realmente envolvidos com doenças mentais, o bloqueio dessa classe de genes abre nova perspectiva para tratamentos. Nossa descoberta revela um novo mecanismo molecular que pode ser fundamental para entender o espectro autista.”A descoberta é do biólogo molecular e colunista do G1 Alysson Muotri. Sua pesquisa, realizada em parceria com Carol Marchetto nos Estados Unidos, sai na edição desta semana da revista científica “Nature”.
Passo a passo
No sistema nervoso, os genes saltadores são “silenciados” pelo gene MeCP2. São justamente mutações no MeCP2 que causam Rett.
No sistema nervoso, os genes saltadores são “silenciados” pelo gene MeCP2. São justamente mutações no MeCP2 que causam Rett.
Com isso em mente, o grupo criou um camundongo transgênico com mutações no gene MeCP2 e um "marcador" em um dos genes saltadores: quando ele saltava de uma região para outra do genoma, ativava uma proteína que fazia o neurônio ficar fluorescente.
“Ao analisarmos o cérebro desses animais, descobrimos que estavam cheios de neurônios fluorescentes, muito mais do que em camundongos que tinham o gene MeCP2 intacto”, explica Muotri.
Confirmação
O fenômeno foi confirmado em humanos. Para isso, foram usadas células iPS, descritas no trabalho da “Cell”. Foi feita uma biópsia de pele de pacientes autistas e de pessoas sem a condição. Depois, as células da pele foram reprogramadas para células de pluripotência induzida (iPS) – idênticas às células-tronco embrionárias, mas não extraídas de embriões. “Pluripotê
ncia” é a capacidade de toda célula-tronco de se especializar, ou diferenciar, em qualquer célula do corpo.Se os genes saltadores estiverem realmente envolvidos com doenças mentais, o bloqueio desses genes abre nova perspectiva para tratamentos"
O fenômeno foi confirmado em humanos. Para isso, foram usadas células iPS, descritas no trabalho da “Cell”. Foi feita uma biópsia de pele de pacientes autistas e de pessoas sem a condição. Depois, as células da pele foram reprogramadas para células de pluripotência induzida (iPS) – idênticas às células-tronco embrionárias, mas não extraídas de embriões. “Pluripotê
ncia” é a capacidade de toda célula-tronco de se especializar, ou diferenciar, em qualquer célula do corpo.Se os genes saltadores estiverem realmente envolvidos com doenças mentais, o bloqueio desses genes abre nova perspectiva para tratamentos"
A reprogramação genética de células adultas é feita por meio da introdução de genes. Eles funcionam como um software que reformata as células, deixando-as como se fossem de um embrião. Assim, as iPS também podem dar origem a células de todos os tipos, o que inclui neurônios.
Como os genomas dessas iPS vieram tanto de portadores de autismo como de não portadores, no final são obtidos neurônios autistas e neurônios saudáveis.
“Ao induzirmos a diferenciação neuronal, observamos um maior número de saltos nos genomas autistas”, conta Muotri. Os resultados foram reconfirmados usando cérebros post mortem de pacientes e de controles (não afetados).
“Esse fenômeno pode explicar características individuais, como criatividade ou outras habilidades do espectro autista, explicando a persistência dessa condição na população humana durante a evolução. Isso é revolucionario”, conclui Muotri.
O estudo que sai agora na “Nature” estava pronto em 2006, mas passou por um lento e rigoroso processo de revisão que caracteriza revistas de prestígio, como é o caso da “Nature” e da “Cell”.
Muotri é pós-doutor em neurociência e células-tronco no Instituto Salk de Pesquisas Biológicas (EUA) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego.
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