"Não devemos permitir que uma só criança fique em sua situação atual sem desenvolvê-la até onde seu funcionamento nos permite descobrir que é capaz de chegar. Os cromossomos não têm a última palavra". (Reuven Feuerstein)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO:
          chega de humilhação


O assédio moral é revelado por atos e comportamentos agressivos que visam  a desqualificação e desmoralização profissional e a desestabilização emocional  e moral do(s) assediado(s), tornando o ambiente de trabalho desagradável,    insuportável e hostil.

Toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.

Contudo, independentemente da definição, o importante é compreender que o assédio moral se caracteriza pelo abuso  de poder de formarepetida e sistematizada.

O referencial bibliográfico é unânime em apontar o perfil do assediador  moral como o de uma pessoa “perversa”, que se utiliza dos mecanismos perversos para se defender. É um indivíduo com uma personalidade narcisista  que ataca a auto-estima do outro, transferindo-lhe a dor e as contradições que não admite em si mesmo: o seu ego é tão grandioso quanto a sua necessidade de ser admirado e a sua falta de empatia. Como não está apto a superar a solidão que o separa do mundo, dirigindo o amor para fora de si, é insaciável em sua buscade gratificação, sentindo intensa inveja das pessoas que são felizes e têm prazer com a própria vida.
A crise existencial cerca o destino do narcisista, impulsionando-o a procurar uma vítima da qual possa absorver a vida. Incapaz de reconhecer sua culpa e responsabilidade pelo mal que causa a si mesmo, o narcisista transfere esse sentimento para a vítima que passa a destruir moralmente: primeiro a contamina com sua visão pessimista do mundo, até induzi-la à depressão, depois passa a criticá-la pelas suas fraquezas. O perverso só consegue existir e ter uma boa  autoestima humilhando os outros.

Muitas vezes o objetivo do assediador é massacrar alguém mais fraco, cujo medo gera conduta de obediência, não só da vítima, mas de outros empregados, que se encontram ao seu lado. Ele é temido e, por isso, a possibilidade de a vítima receber ajuda dos que a cercam é remota. A meta do perverso, em geral, é chegar ao poder ou nele manter-se por qualquer meio, ou então mascarar a própria incompetência.  Na personalidade do narcisista, Ket de Vries e Miller (1990 
apud PAULA, 2004) encontraram como desordens o sentimento de suficiência e singularidade; o exagero na avaliação de suas próprias realizações e talentos; a fixação em fantasias de sucesso, poder, inteligência superior e beleza; a tendência ao exibicionismo; e a suscetibilidade ou intolerância à crítica. O importante para o assediador é o domínio na organização; é controlar os outros.

 A vítima do terror psicológico no trabalho não é o empregado desidioso, negligente. Ao contrário, os pesquisadores encontraram como vítimas justamente os empregados com um senso de responsabilidade quase patológico, são ingênuas no sentido de que acreditam nos outros e naquilo que fazem, são geralmente pessoas bem educadas e possuidoras de valiosas qualidades profissionais e morais. De um modo geral, a vítima é escolhida justamente por ter algo mais. E é esse algo mais que o perverso busca roubar. As manobras perversas reduzem a auto-estima, confundem e levam a vítima a desacreditar de si mesma e a se culpar. Fragilizada emocionalmente, acaba por adotar  comportamentos induzidos pelo agressor. Seduzido e fascinado pelo perverso o grupo não crê na inocência da vítima e acredita que ela haja consentido e, consciente ou inconscientemente, se ja cúmplice da própria agressão.

Portanto, a vítima do assédio moral não é uma pessoa pacata, sem opinião própria, que fica em seu canto somente esperando o salário no final do mês ou simplesmente um executor de tarefas pré-determinadas.
O agressor não se preocupa com este tipo de pessoa, pois esta não lhe ameaça o cargo, não transmite perigo. A vítima em potencial é aquela que leva o agressor a sentir-se ameaçado, seja no cargo ou na posição perante o grupo. A vítima é, normalmente, dotada de responsabilidade acima da média, com um nível de conhecimento superior aos demais, com uma auto-estima grande e, mais importante, acredita piamente nas pessoas que a cercam.

A revisão bibliográfica  apontou como principais perfis para as vítimas de assédio moral:
  •  Trabalhadores com mais de 35 anos
  •  Os que atingem salários muito altos;       
  •  Saudáveis, escrupulosos, honestos;
  •  As pessoas que têm senso de culpa muito desenvolvido;
  • Dedicados, excessivamente até, ao trabalho, perfeccionistas   impecáveis, não hesitam em     trabalhar nos fins de semana, ficam até mais tarde e não faltam ao trabalho mesmo quando doentes;
  •  Não se curvam ao autoritarismo, nem se deixam subjugar;
  •  São mais competentes que o agressor;
  •  Pessoas que estão perdendo a cada dia a resistência física e psicológica para suportar humilhações;
  •  Portadores de algum tipo de deficiência;
  •  Mulher em um grupo de homens;
  •  Homem em um grupo de mulheres;
  •  Os que têm crença religiosa ou orientação sexual diferente daquele que assedia


Para o assediado
Como já destacado anteriormente, as conseqüências que irá sofrer o assediado dependem muito de seu perfil psicológico. Encontrando terreno fértil, o terror psicológico provoca na vítima danos físicos, mentais e psicossomáticos.

O médico Mauro Azevedo de Moura afirma que:
todos os quadros apresentados como efeitos à saúde física e mental
podem surgir nos trabalhadores vítimas de assédio moral, devendo, ser,
evidentemente, consideradas como doenças d o trabalho”.xxi Os primeiros
sintomas são problemas clínicos devido ao estresse [...]. Depois, começa
a ser afetada a parte psicológica [...]. A auto -estima da pessoa começa a
entrar em declínio [...].

Corroborando, Hirigoyen registra que quando o assédio moral é recente e existe ainda uma possibilidade de reação, os sintomas são, no inicio, parecidos com os do estresse, o que os médicos classificam de perturbações funcionais: cansaço, nervosismo, distúrbios do sono, enxaquecas, distúrbios digestivos, dores na coluna... É a autodefesa do organismo a uma hiperestimulação e a tentativa de a pessoa adaptar-se para enfrentar a situação. Mas, se o assédio moral se prolonga por mais tempo ou recrudesce, um estado depressivo mais forte
pode se solidificar. A pessoa assediada apresenta então apatia, tristeza, complexo de culpa, obsessão e até desinteresse por seus próprios valores (HIRIGOYEN, 2002, p.159 e 160). Após um certo tempo de evolução dos procedimentos de assédio, os distúrbios psicossomáticos ganham a cena.

Os registros da pesquisa bibliográfica enumeram como principais danos e agravos causados à saúde do assediado:
- a irritação constante; falta de confiança em si; cansaço exagerado; diminuição da capacidade para enfrentar o estresse; pensamentos repetitivos; dificuldades para dormir; pesadelos; interrupções freqüentes do sono; insônia; amnésia psicógena; diminuição da capacidade de
recordar os acontecimentos; anulação dos pensamentos ou sentimentos que relembrem a tortura psicológica, como forma de se proteger e resistir; anulação de atividades ou situações que possam recordar a tortura psicológica; tristeza profunda; interesse claramente diminuído em manter atividades consideradas importantes anteriormente; sensação negativa do futuro; vivência depressiva; mudança de personalidade, passando a praticar a violência moral; sentimento de culpa; pensamentos suicidas; tentativas de suicídio; aumento do peso ou emagrecimento exagerado, distúrbios digestivos; hipertensão arterial; tremores; palpitações;
aumento do consumo de bebidas alcoólicas e outras drogas; diminuição da libido; agravamento de doenças pré-existentes, como dores de cabeça; e, notadamente, estresse.

Barreto registrou em um de seus trabalhos que mulheres e homens reagem diferentemente à violência moral:


Nas mulheres predominam as emoções tristes:
mágoas, ressentimentos, vontade de chorar, isolamento, angústia, ansiedade, alterações do
sono e insônia, sonhos freqüentes com o agressor, alterações da memória, distúrbios digestivos e náuseas, diminuição da libido, cefaléia, dores generalizadas, palpitações, hipertensão arterial, tremores e medo ao avistar o agressor, ingestão de bebida alcoólica para esquecer a agressão, pensamentos repetitivos.

Já os homens assediados: 
têm dificuldades em verbalizar a agressão sofrida e ficam em silêncio com sua dor, pois predomina o sentimento de fracasso. Sentem-se confusos, sobressaindo os pensamentos repetitivos, ‘espelho’ das agressões vividas. Envergonhados, se isolam evitando comentar o acontecido com a família ou amigos mais próximos. Sentem-se traídos e têm desejos de vingança. Aumenta o uso das drogas, principalmente o álcool. Sobressai o sentimento de culpa, ele se imagina “um inútil”, “um ninguém”, “um lixo”, “um zero”, “um fracassado” (muito embora sejam também expressões fortemente verbalizadas por todos os assediados, reveladoras da infelicidade interna). Sentem-se tristes, depressivos; passam a conviver com precordialgia, hipertensão arterial, dores generalizadas, dispnéia, vontade de ficar sozinho; aborrecimento com tudo e todos. A dor masculina é desesperadora e devastadora, na medida que os homens não expõem suas emoções, não choram em público e se isolam perdendo a interação com o outro.

São danos à saúde que acarretam desequilíbrio interno e sofrimento profundo, exigindo, muitas vezes, um longo período de tratamento médico ou psicológico. A esses danos, somam-se as conseqüências do desemprego em massa, que aumenta o medo e submissão dos empregados.


SITUAÇÕES/AÇÕES MAIS FREQUENTEMENTE VERIFICADAS %
  • Dar instruções confusas e imprecisas 65%
  • O bloqueio ao trabalho e a atribuição de erros imaginários 61%
  • Ignorar a presença de funcionário na frente de outros 55%
  • Pedir trabalhos urgentes sem necessidade 49%
  • Mandar o trabalhador realizar tarefas abaixo de sua capacidade profissional, fazer comentários maldosos em público 41%
  • Não cumprimentar 38%
  • Impor horários injustificados ou forçar o trabalhador a pedir demissão 35%
  • Impedir o trabalhador de almoçar ou conversar com um colega, disseminando boatos que desvalorizam e desqualificam profissional e pessoalmente; retirar o material necessário à execução do trabalho (fax, computador, telefone), isolando-o do convívio com os colegas 33%
O que a vítima deve fazer?
  • Resistir: anotar com detalhes toda as humilhações sofridas (dia, mês, ano, hora, local ou setor, nome do agressor, colegas que testemunharam, conteúdo da conversa e o que mais você achar necessário).
  • Dar visibilidade, procurando a ajuda dos colegas, principalmente daqueles que testemunharam o fato ou que já sofreram humilhações do agressor.
  • Organizar. O apoio é fundamental dentro e fora da empresa.
  • Evitar conversar com o agressor, sem testemunhas. Ir sempre com colega de trabalho ou representante sindical.
  • Exigir por escrito, explicações do ato agressor e permanecer com cópia da carta enviada ao D.P. ou R.H e da eventual resposta do agressor. Se possível mandar sua carta registrada, por correio, guardando o recibo.
  • Procurar seu sindicato e relatar o acontecido para diretores e outras instancias como: médicos ou advogados do sindicato assim como: Ministério Público, Justiça do Trabalho, Comissão de Direitos Humanos e Conselho Regional de Medicina (ver Resolução do Conselho Federal de Medicina n.1488/98 sobre saúde do trabalhador).
  • Recorrer ao Centro de Referencia em Saúde dos Trabalhadores e contar a humilhação sofrida ao médico, assistente social ou psicólogo.
  • Buscar apoio junto a familiares, amigos e colegas, pois o afeto e a solidariedade são fundamentais para recuperação da auto-estima, dignidade, identidade e cidadania.
IMPORTANTE
Se você é testemunha de cena(s) de humilhação no trabalho supere seu medo, seja solidário com seu colega. Você poderá ser "a próxima vítima" e nesta hora o apoio dos seus colegas também será precioso. Não esqueça que o medo reforça o poder do agressor!


JUSTIÇA DO TRABALHO

[1] As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse coletivo (artigo 8º, da CLT). O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste (artigo 8º, parágrafo único, da CLT).



[2] Para fins do disposto nesta lei, considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias dos outros; ignorar ou  excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar  esforços (artigo 1º, parágrafo único, Lei n.º 13.288/02).



O art. 483 da CLT autoriza o trabalhador a postular em juízo as indenizações correspondentes às violações do contrato, por incumprimento, por parte de seu empregador, podendo, também, acumular outros pedidos indenit ários resultantes da rela ção de trabalho, tais quais, por exemplo, a indeniza ção a que está obrigado, quer resultante de dano moral (ass édio sexual, assédio moral, dano pessoal) e ou em caso de infortúnio ao trabalhador, como expressamente previsto pelo art. 7º, inciso XXVIII (seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indeniza ção a que este est á obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa). Não há que se falar sequer que os créditos trabalhistas resultantes da resilição contratual autorizada pelo dispositivo celetário indicado já cubra também a indenização decorrente do assédio moral. Este entendimento encontra -se já superado pelos reiterados pronunciamentos do C. STF, no sentido de que é acumulável a indenização por dano material, com a de dano moral.

o artigo 136-A no Código Penal, tipificando o assédio moral com a seguinte redação:
"Art. 136-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá - lo com rigor excessivo, colo cando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica.
Pena - detenção de um a dois anos.

Mensagem
Aos que comandam, gerem e administram, principalmente, que persigam uma administração inteligente e equilibrada, descrita com simplicidade, porém com profundidade e objetivo, nas palavras de Aktouf (1996, p.246, apud PAULA, 2004):

uma administração que respeita a natureza das coisas, que evita as violências e os sofrimentos, da pessoa humana e mesmo da natureza, que conhece e assume os dados da história e das ciências. E também uma administração que se conforme, com pleno conhecimento de causa, ao veredito menos contestado a propósito dos saberes do momento, como nas contradições internas e externas. Por fim uma administração que saberá extrair lições a respeito do que fazem outros sistemas com melhor desempenho, hoje, e que vê a importância da visão a longo prazo, em vez de um maximalismo a curto prazo. Essa administração não deve jamais esquecer a lição dos princípios físicos do universo que fazem com que todo ganho, inclusive os econômicos, obtido em um lugar corresponde a uma perda equivalente em ou tro. Este raciocínio é válido tanto para as relações entre empregado e empregador quanto para aqueles entre nações ricas e as nações desprivilegiadas. O enfraquecimento do outro acabará por nos atingir, cedo ou tarde, não importa a força que tenhamos.

            ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO
            João Sérgio de Castro Tarcitano
            Cerise Dias Guimarães

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